A Constituição Federal Brasileira de 1998 contém um capítulo dedicado aos “índios” (cap. VIII), no qual reconhece «sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (art. 231).

Direito à terra: posse sim, propriedade não

A Constituição define que as “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” são bens da União (art. 20), a qual também compete legislar sobre terras indígenas (art. 22). As terras ocupadas pelos índios são as habitadas por eles em forma permanente, utilizadas para suas atividades produtivas e para a sua reprodução física e cultural (art. 231, inc. 1 °). Os índios têm a “posse permanente” destas terras e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes (art. 231, item 2). Entretanto, ao Congresso Nacional compete:

• Fazer uso dos recursos hídricos e minerais em terras indígenas, “consultando as comunidades afetadas e assegurando a participação nos resultados da extração” (art. 231, inciso 3º).
• Definir a exploração das riquezas naturais do solo, rios e lagos em terras indígenas, em casos de interesse público da União (art. 231, parágrafo 6).

Em seu artigo 17, o Estatuto do Índio (1973) define como terras indígenas:

a) As terras ocupadas ou de posse permanente dos índios ou silvícolas que as habitam os quais têm direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais, nascentes e rios, aí existentes, bem como o produto da exploração econômica dessas riquezas naturais. Têm o direito exclusivo de caça e pesca em suas terras. No entanto, essas terras são propriedade inalienável da União (art. 22, 23, 24). O direito de posse permanente é independente da demarcação e deverá ser assegurado pelo órgão federal competente (FUNAI) (art. 25).

b) As áreas reservadas para os índios: .: são as áreas estabelecidas pela União, onde os índios podem viver e obter os meios de subsistência com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais. (art. 26). Existem quatro modalidades:

1. Reserva indígena: áreas destinadas a servir como habitat para os grupos indígenas, como meio de subsistência (art. 27).

2. Parque indígena: áreas compreendidas em terras de posse dos índios, cujo grau de integração permite que os órgãos da União realizem assistência econômica, educativa e de saúde, e onde se preservam a flora e fauna (art. 28).

3. Colônia agrícola indígena: áreas destinadas a exploração agropecuária, administrada pela FUNAI, onde as tribos convivem com membros da comunidade nacional (art. 29).

4. Territorio federal indígena: Somente poderá constituir este tipo de unidade administrativa subordinada à União e nas regiões em quem pelo menos um terço da população é composta por índios (art. 30).

c) As Terras de domínio indígena são terras de propriedade plena dos índios ou comunidades indígenas que foram obtidas por qualquer forma de aquisição nos termos da legislação civil (art. 32). Os índios, integrados ou não, que tenham ocupado por 10 anos consecutivos áreas de terra menores que 50 ha adquirem plena propriedade sobre estas. Isto não se aplica às terras de domínio da União ocupadas por grupos tribais, áreas reservadas, nem terra de propriedade coletiva de grupos tribais (art. 33).

O mesmo estatuto estabelece que cabe à União assegurar as comunidades indígenas a posse permanente das terras que habitam, e o usufruto exclusivo das riquezas naturais e todas as utilidades existentes em suas terras (art. 2 Inc. 9). Essas terras não podem ser objeto de arrendamento ou negócios que restrinja o direito de posse das comunidades indígenas e dos silvícolas, e está vedada toda a atividade de caça, pesca ou coleta a terceiros, bem como atividades agrícolas ou extrativista (art. 18).

Procedimento de titulação: demarcação e homologação
De acordo com a Constituição cabe à União demarcar, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231). Para este fim, foi criada a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) , com a responsabilidade de proteger os povos indígenas e regularizar suas terras. O procedimento de regularização ou titulação compreende as seguintes etapas:

1) Estudo de Identificação da área: um estudo é realizado considerando os aspectos históricos e atuais da ocupação da área para constatar a presença de indígenas. Para este estudo a FUNAI nomeia um antropólogo e uma equipe técnica que realiza um estudo etno-histórico, sociológico, jurídico, cartográfico, ambiental e espacial. Apresenta-se um relatório à FUNAI.

2) Aprovação da FUNAI: recebido o relatório, o Presidente da FUNAI tem 15 dia para aprová-lo e torná-lo público no Diário Oficial da União e nos jornais do Estado e Municípios correspondentes.

3) Contestações: durante 90 dias todos os interessados (indígenas, estados, municípios) podem contestar o relatório. A FUNAI tem 60 dias adicionais para elaborar o seu parecer e apresentá-lo ao Ministério da Justiça.

4) Delimitação: através de um decreto se estabelece os limites da terra indígena, em função dos aspectos topográficos e dos aspectos sociais, econômicos e financeiros que a demarcação poderá ocasionar aos ocupantes não indígenas.

5) Demarcação física: A FUNAI promove a demarcação física da área. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) procede ao reassentamento dos ocupantes não-índios.

6) Homologação: O procedimento de demarcação é submetido ao Presidente da República para homologação por decreto.

7) Registro e Regularização: A terra demarcada e homologada deve ser registrada no Cartório de Imóveis da comarca correspondente e da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) no prazo máximo de 30 dias após a homologação.

Ao assinar o Estatuto do Índio em 1973, o Governo Federal comprometeu-se em demarcar as terras indígenas no prazo de cinco anos (art. 65). Posteriormente, a Constituição de 1988 voltou a considerar o prazo de cinco anos para demarcar as terras (art. 67). Nenhum desses compromissos foram cumpridos. Contrariamente a isto, em 1996, o Ministério da Justiça decretou que terceiros (como madeireiros e colonos), têm o direito de contestar os limites da demarcação realizada nesse longo procedimento descrito acima.

Direito do Estado de «intervir» em terras indígenas
O Estatuto do Índio estabeleceu que a União pode intervir em áreas indígenas através do órgão federal de tutela dos índios (FUNAI) em caráter experimental ou pelos seguintes motivos: lutas entre grupos tribais; surtos epidêmicos; por motivos de segurança nacional; realização de obras públicas de interesse para o desenvolvimento nacional, explorar riquezas do subsolo de interesse para a segurança e desenvolvimento nacional. As medidas de intervenções compreendem desde estratégias de contenção sem o uso da força até a remoção dos índios para outra área e realocação de grupos tribais. A remoção se dá somente quando todas as outras formas de intervenções foram esgotadas, sendo que a realocação deve ser em uma área equivalente a anterior em termos de suas condições ecológicas (art. 20).

As terras abandonadas espontânea e definitivamente por comunidades indígenas ou grupos tribais serão de domínio pleno da União (art. 21).

O Estatuto do Índio está em vigor até hoje, embora tenha havido esforços para modificá-lo. Para ler três das propostas de alterações ao estatuto de 1973, clique Aquí.