Os Paiter Suruí-: Um processo de consentimento livre, prévio e informado de acordo com seu sistema de governança indígena

Os povos indígenas da Amazônia brasileira não tem uma organização social centralizada, mas plural. Assim, um dos maiores desafios atuais é como chegar a acordos consensuais que representem os interesses de todos os setores de sua sociedade e que cumpram com o direito à consulta livre, prévia e informada. Os Paiter Suruí desenvolveram recentemente um processo de consentimento que responde a este desafio.

Informação Geral
O povo Indígena Paiter-Suruí é composto por 1300 pessoas, compreendendo quatro clãs: Gameb, Gamir, Kaban e Makor. Este povo entrou em contato com a sociedade não indígena somente a 40 anos.
Seu território foi delimitado, demarcado e homologado pelo governo brasileiro como Terra Indígena Sete de Setembro, no ano de 1983 (Decreto nº 88.867) . Possui uma superfície de 247,870 hectares e se estende entre os estados de Rondônia e Mato Grosso, a oeste do Brasil.
Os Paiter – Suruí não cederam às pressões das empresas que queriam desmatar as suas florestas e até 2008, apenas 7.000 hectares de seu território havia sido desmatado.
Neste mapa você pode ver a localização geográfica das aldeias indígenas no território, em uma estratégia clara para defender sua floresta.

Mapa de Aldeias da Terra Indígena Sete de Setembro

Fonte: Jacob Olander, Almir Borges e Beto Narayamoga Suruí (2010).

O Projeto Carbono Suruí

Dado o interesse em preservar sua floresta, no ano de 2007, a Associação Metareilá, organização representativa do povo indígena Paiter-Suruí, começa a analisar a possibilidade de implementar um Projeto de Crédito de Carbono Florestal, que reconheça o valor da floresta e ao mesmo tempo proporcione recursos financeiros para desenvolver o seu Plano de Vida para os próximos 50 anos.

Antes de implementar o projeto, promoveu-se um processo inovador de consentimento livre, prévio e informado, cuja metodologia pode ser útil para outros povos das terras baixas do continente para garantir este direito.

O processo para alcançar o Consentimento Livre, Prévio e Informado

O direito ao consentimento livre, prévio e informado está incluso nas normas legais nacionais e internacionais: a Convenção 169 e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
A metodologia do processo de consentimento para o Projeto Carbono Suruí incluiu técnicas interculturais e multidisciplinares para que os Paiter Suruí, compreendessem os riscos e benefícios relacionados à comercialização de créditos de carbono, e a partir desse conhecimento pudessem manifestar-se a favor ou contra o projeto.
Os eixos do processo foram:

• a plena participação dos indígenas
• a pertinência com o atual sistema de governança interna dos dos Paiter-Surui: a metodologia do processo de consentimento respeitou seus modos de organização e governança.
• e o reconhecimento da temporalidade própria dos povos indígenas para a tomada de decisão coletiva: o processo durou 2 anos, o tempo necessário para que Paiter-Suruí manifestassem a sua decisão informada.

O processo envolveu uma série de reuniões que foram divididas em três etapas:

Primeira etapa: reuniões internas dos Suruí
Em março de 2009, foi realizada uma Assembleia Geral do povo Paiter com a participação de representantes das associações indígenas, líderes dos quatro clãs e representantes tradicionais, os labiway. Como resultado desta primeira assembleia 95% dos presentes concordaram em continuar o processo de desenvolvimento do processo de Consentimento livre, prévio e informado para o Projeto Carbono Suruí.
Posteriormente foram realizadas reuniões e discussões por clãs e por aldeias, com o objetivo de chegar a um consenso mínimo para o desenvolvimento do projeto, de acordo com a estrutura de governança interna vigente.
Em junho do mesmo ano, os quatro clãs se reuniram na aldeia Lapetanha e assinaram um «Memorando de Entendimento entre os clãs» onde especificaram o seu compromisso com o desenvolvimento do projeto e os termos do acordo entre os clãs.
Um mês depois, os Paiter-Suruí convocaram os membros do seu território para uma reunião no Teatro Municipal na cidade de Cacoal para tratar assuntos de interesse geral, entre os quais se incluía o Projeto Carbono Suruí.

Segunda etapa: reuniões entre lideranças indígenas e outras instituições participantes do Projeto

Em abril de 2009, a Associação Metareilá, organização representativa do povo indígena Paiter-Suruí, convocou uma reunião de chefes de clãs (lideres indígenas tradicionais) e representantes das associações locais (líderes «modernos»), juntamente com representantes de todas as instituições não-indígenas envolvidas no desenho do Projeto Suruí:

• Forest Trends
• Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM)
• Equipe de Conservação da Amazônia (ACT Brasil)
• Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
• Fundação Brasileira para a Biodiversidade (FUNBIO)
• Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Foto: Thiago Ávila e ACT Brasil

Os indígenas expressaram suas dúvidas sobre alguns pontos do projeto que requeria mais explicação e sobre os benefícios e os riscos de um projeto de carbono. As instituições expuseram os benefícios e riscos da comercialização de créditos de carbono e explicaram que para implementar o Projeto se deveria trabalhar no ordenamento territorial e em um plano de uso dos recursos naturais. Também ressaltaram que haveria um monitoramento minucioso das metas estabelecidas pelo projeto.
Em junho de 2009 a Associação Metareilá realizou três reuniões de coordenadores de associações indígenas e membros da comunidade, nas quais atualizou as informações sobre os estudos e pesquisas que estavam sendo desenvolvidas para produzir o documento do Projeto.

Terceira etapa: trabalho de campo, visitas e reuniões comunitárias nas aldeias Paiter-Suruí
Na terceira fase realizou-se 10 reuniões comunitárias participativas, com o objetivo de apresentar o projeto aos membros das comunidades do povo indígena, esclarecer as dúvidas existentes de algumas pessoas e ouvir suas propostas para incorporá-las no projeto. Participaram membros de 14 aldeias (61% das aldeias do território).

Foto: Thiago Ávila y ACT Brasil

Como resultado deste processo de dois anos de discussão e reflexão, os Paiter-Suruí, tomaram a decisão de implementar o Projeto Carbono Suruí. Seu exemplo demonstra que os povos indígenas são capazes de participar ativamente desde o planejamento dos projetos, e podem exercer o seu direito de planificar e decidir o curso do desenvolvimento de suas comunidades.

Assegurando as bases legais para o primeiro projeto REDD+ no território indígena

O Projeto Carbono Suruí é o primeiro projeto REDD+ em um território indígena no mundo. É por isso que no Brasil, a organização parceira Forest Trends pediu ao escritório de advocacia Baker & McKenzie, o seu parecer legal sobre a possibilidade de que a Constituição e as leis brasileiras permitissem ao povo indígena Suruí fazer acordos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de florestas, conhecido pela sigla REDD. Os advogados disseram que o povo Paiter-Suruí detém o direito de comercialização de carbono, e que também têm o direito de utilizar os benefícios econômicos desses acordos para proteção de seus territórios e suas florestas, uma vez que terão um papel protagonista na mitigação da mudança climática. Este direito também é extensivo a outros povos indígenas do Brasil.

Monitoramento do território com a tecnologia da Google

Para o monitoramento e defesa do território, os Paiter-Suruí utilizam a tecnologia da Google. Usando equipamentos de GPS, celulares e computadores, os indígenas monitoram e registram espécies animais e vegetais. Esta informação é carregada em uma plataforma digital especialmente desenvolvida pela Google, no que completa um mapa territorial com informação social, ambiental, cultural e histórica do Povo Suruí. Com essa mesma tecnologia se rastreia a presença de madeireiros, caçadores e pescadores que invadem o território, informação que é fornecida à Polícia Federal e à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para a defesa do território.

No ano de 2008, os Paiter-Suruí desenvolveram o seu Plano de Vida, publicado em português como Plano de Gestão Etnoambiental da Terra Indígena Sete de Setembro. Para lê-lo clique Aquí.

Fontes de Información
Thiago Ávila (2010). Consentimento Livre, Prévio e Informado Projeto Surui Carbono. Equipe de Conservação da Amazônia – ACT Brasil | Amazon. ACT Brasil Edições 2010.

Jacob Olander, Beto Borges y Almir Narayamoga Suruí (2010). Projeto Suruí: promovendo a capacitação dos ‘povos indígenas’ para um acordo informado sobre o ¬nanciamento de REDD. En: Desmatamento evitado (REDD) e povos indígenas. Experiências, desa¬os e oportunidades no contexto amazônico. Forest Trends. Pág. 111 a 127.